A história que aqui vou escrever remonta à data de 1 de Maio de 1973. É uma história sobre um terrível acontecimento que eu presenciei
Como é sabido, no calendário de feriados nacionais do regime instaurado em Portugal pelo gole de Estado de 28 de Maio de 1926 não constava o Dia do Trabalhador. Durante o Estado Novo, regime imposto por Salazar com a entrada em vigor da Constituição de 1933, em que as manifestações do “Dia do Trabalho” eram organizadas e controladas pelo Estado que tinha o controlo governamental dos sindicatos, o 1º de Maio não era também considerado dia descanso nacional.
O cidadão, contudo, cada vez mais inventava pequenos truques para clandestinamente assinalar aquele dia… Havia também quem de forma mais ou menos clara e organizada fizesse questão de demonstrar a sua insatisfação.
No dia 1 de Maio de 1973 morava, eu, em Campo de Ourique e tinha 17 anos de idade. Apesar de ser dia de trabalho, não fui trabalhar (não me recordo já porquê). - Sai à rua para ir tomar o pequeno-almoço por volta das dez horas ao Café, que ainda hoje tem o mesmo nome, “A Tentadora”. – Preferi a esplanada (ainda hoje quando lá vou a prefiro). Não foi necessário pedir nada. – O empregado já conhecia os meus gostos e trouxe-me o habitual galão e o caracol com manteiga e fiambre. – Deu-me os bons dias e questionou-me:
Por aqui a esta hora?! - Já viu o que é que aqueles tipos andam a fazer aqui á volta?
Olhei á nossa volta e rapidamente me apercebi que de facto havia na rua uma movimentação pouco usual! – Eram rapazes e raparigas estudantes mais ou menos da minha idade que, individualmente (não eram autorizados ajuntamentos), abordavam as pessoas que por ali passavam, registando as suas respostas, uns em papel, outros em gravadores de voz que traziam á tiracolo.
Não fiz comentários… – Naquela época qualquer comentário a propósito podia ser mal interpretado, para além de nunca se saber com quem se estava a falar… – Acção estudantil arriscada…!!! - Pensei.
De repente, eu e todas as outras pessoas que se encontravam naquela esplanada, tivemos de abandonar o local e de nos refugiar dentro das instalações do Café, perante a chegada abrupta de diversas carrinhas de onde emergia um avultado número de “polícias de choque” e de cães treinados para aquele tipo de agressão. – O absurdo instalou-se…
Pessoas a caírem no chão empurradas pelos cães e pelas bastonadas infligidas. - Uma rapariga que teria 15/16 anos de idade foi atirada para o chão junto à porta da florista, mesmo em frente ao Café, o cão que a fez cair só a largou quando, com os dentes, lhe arrancou um pedaço de uma mama, depois disso foi ainda brutalmente espancada à bastonada.
Triste dia este…
Que me marcou para toda a vida. A marca de um “espaço fechado e de um lugar de infelicidade” como era Portugal.
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