sábado, agosto 22, 2009

POESIA PORTUGUESA, breve história

Image: Mário Cesariny - Óleo sobre cartão
Antes da fundação da nacionalidade portuguesa já florescia, no Nordeste da Península Ibérica, uma forma de poesia de amor que se destinava ser cantada. A nossa poesia primitiva não tardou, porém, a ser influenciada pelo lirismo provençal, embora manifestasse desde logo feição bem característica. Os jograis, que, durante a Idade Média, iam de corte em corte e de casa em casa, entoando, ao som do alaúde e da cítara, ingénuas e belas poesias de amor, facilitaram a expansão do lirismo provençal por toda a Europa. As composições classificaram-se em cantigas de amigo, poemas em que a mulher se dirigia ao amado de quem estava afastada, e cantigas de amor, em que é o homem quem fala à mulher ou o faz em primeiro lugar e sempre em louvor da pessoa amada. As cantigas de escárnio e de maldizer tinham um sabor acentuadamente peninsular, embora os Franceses também cultivassem a canção satírica, a que chamavam sirvantês. A mais velha cantiga de amigo que chegou até nós é atribuída a D. Sancho I. As mais antigas trovas que possuímos são, todavia, de Paio Soares de Taveirós, natural da Galiza. O apogeu do trovadorismo português verifica-se nos reinados de D. Afonso III e de D. Dinis, sendo o último monarca o nosso maior trovador. As canções dos trovadores foram recolhidas em colecções a que se chamou cancioneiros. Chegaram até nós apenas três desses cancioneiros, que são designados por Cancioneiro da Ajuda, Cancioneiro da Vaticana e da Biblioteca Nacional de Lisboa. A decadência da poesia trovadoresca foi, como a sua expansão, um fenómeno europeu. Só no começo do século XV, no reinado de D. João I, a poesia voltará a ter, entre nós, muitos e bons cultores. É a época da poesia palaciana, que se diferencia da poesia trovadoresca pelo seu estilo mais culto. Os temas, até aí confinados ao saudosismo amoroso e à sátira chocarreira, tornam-se mais complexos e variados. As produções destes poetas estão compiladas no Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende. No século XVI assiste-se, em toda a Europa, ao renascimento das literaturas greco-romanas, que logo exerce, na Europa, uma total influência em todas as manifestações cultas. Em Portugal, como noutras nações meridionais, a tradição greco-latina nunca se perdera completamente. É Sá de Miranda, que viveu entre 1481 e 1558, quem introduz o classicismo em Portugal. Poeta fecundo, embora pouco espontâneo, a sua poesia caracteriza-se por uma apreciável perfeição formal, não obstante as suas composições pecarem, com frequência, por falta naturalidade. Gil Vicente é outro grande poeta português do século XVI. Muitos dos seus autos, especialmente os religiosos, são em verso. Inspira-se nos cantares tradicionais do povo e no que neles subsistia das cantigas de amigo; os seus versos têm, por vezes, um sabor nitidamente popular. Serve-se da forma métrica medieval para exprimir um naturalismo poderoso e renovado. Bernardim Ribeiro e Cristóvão Falcão são os poetas da saudade e da melancolia amorosas, tão caracteristicamente portuguesas. Merecem também referência especial, entre os poetas quinhentistas, António Ferreira, Diogo Bernardes e Frei Agostinho da Cruz. Luís de Camões, o maior poeta português e um dos maiores poetas de todas as literaturas, é tão grande na poesia épica como na poesia lírica. No século XVII, por influência do poeta espanhol Luís de Gôngora, tornou-se comum na Europa um estilo afectado, rico em trocadilhos e hipérboles, chamado gongorismo. A mais notável colecção de poesias da época é a Félix Renascida, em que colaboraram, entre outros, Francisco Rodrigues Lobo e D. Francisco Manuel de Melo. No século XVIII surgem as academias literárias, onde poetas e escritores se agrupavam, preconizando o regresso às fontes de inspiração clássica. As principais academias portuguesas foram a Arcádia Lusitana e A Nova Arcádia. À última pertenceu Bocage. No decorrer do século, em Portugal como em toda e Europa, fez-se sentir muito a influência da cultura francesa. António Dinis da Cruz e Silva, por exemplo, no seu poema herói-cómico O Hissope, inspira-se no Lutrin, de Boileau. Correia Garção escreveu, entre outras obras, A Cantata de Dido, clássica pelo assunto e pela forma, mas com um desenlace romântico, que já anuncia a literatura do século XIX. As principais figuras da época são, além de Bocage, Curvo Semedo, Filinto Elísio e a marquesa de Alorna. O maior poeta do século XVIII é Manuel Maria Barbosa du Bocage, notável pela espontaneidade e a perfeição. O seu temperamento já prefigura o romantismo, não obstante a figuração mitológica de muitos dos seus poemas. Tomás António Gonzaga, o autor de Marília de Dirceu, estabelece a transição entre o classicismo e o romantismo. O romantismo domina todo o panorama da literatura da primeira metade do século XIX, até à reacção naturalista. Dá valor preponderante ao sentimento ardente e apaixonado e ao subjectivismo amoroso; esforça-se, também, por valorizar as tradições nacionais, preferindo aos modelos clássicos as sugestões medievais. Almeida Garrett, introdutor do romantismo em Portugal, fez ressurgir a poesia popular, de tradição nacional, na sua compilação Romanceiro. A lírica de Garrett conservar-se-á sempre fiel a esses valores. Nas composições poéticas de Herculano exprime-se um austero sentimento religioso. António Feliciano de Castilho representa, na geração romântica, a sobrevivência do espírito clássico. Os seus versos distinguem-se pelo esmero da forma. Aos românticos seguem-se os ultra-românticos, congregados em volta do Trovador, revista coimbrã. Os seus principais representantes são João de Lemos e Soares de Passos. João de Deus reata, com o seu lirismo simples, a tradição poética portuguesa que vem dos cancioneiros. O amor platónico e a mulher ideal são os principais temas do seu livro Campo de Flores. O realismo poético atinge com Cesário Verde a sua mais alta expressão. Embora tenha pertencido à geração realista, Antero de Quental é sobretudo um poeta de fundo religioso e metafísico. Leitor dos filósofos alemães, os seus versos é, por vezes, uma glosa de ideias filosóficas do seu tempo. Gomes Leal, pela beleza formal dos seus versos, pode ser incluído entre os parnasianos, mas a força e a originalidade da sua expressão lírica prenuncia de certa maneira o aparecimento da poesia moderna. Guerra Junqueiro, além de grande poeta satírico, é também um grande poeta lírico, de forte poder verbal. O parnasianismo reage contra o subjectivismo romântico e enquadra-se no âmbito do movimento realista, ainda que o seu fim seja menos a objectividade do que a pureza artística – o que hoje se chama a arte pela arte. João Penha é o seu principal teórico, devendo também mencionar-se Gonçalves Crespo e António Feijó. Na década de 90 revela-se António Nobre, um dos nossos mais puros líricos. De fundo melancólico, elegíaco e pessimista, os versos do Só reabilitam a realidade quotidiana, transfigurada pelo subjectivismo saudosista do autor. Eugénio de Castro é o poeta que, entre nós, mais fielmente segue as normas da escola simbolista, movimento literário que no fim do século XIX, reagiu contra os exageros do realismo. Também ligado ao simbolismo, Camilo Pessanha é um poeta original, de grande força criadora. O exotismo de alguns dos seus temas não atraiçoa a tradição literária portuguesa. É notável pelo apuramento formal e rítmico. Nas poesias de Augusto Gil deve assinalar-se a simplicidade e a naturalidade da expressão. O fulcro da obra poética de Teixeira de Pascoaes é o saudosismo. Os seus livros, muitas vezes panteístas, caracterizam-se por uma inspiração metafísica e um sentido cósmico pouco vulgares entre nós, fundindo-se neles o génio cristão e o génio pagão. O movimento saudosista foi representado pela revista A Águia. Os sonetos de Florbela Espanca são dos mais sentidos e belos da literatura portuguesa e elevam a uma superior expressão poética a paixão sensual e feminina. Afonso Lopes Vieira continua a tradição nacionalista de Garrett e Nobre, em versos belos e equilibrados, onde ainda se pode discernir a influência do simbolismo, no que respeita ao predomínio da musicalidade. António Boto é um lírico espontâneo e sensível. O modernismo é introduzido em Portugal, em 1915, pelo grupo do Orfeu. Este movimento, profundamente renovador, reagiu contra as formas rígidas que tolhiam a poesia tradicional, dando ao poeta maior liberdade de expressão. Os seus nomes mais representativos são Fernando Pessoa, notável pela sua personalidade complexa e de grande vigor intelectual, e Mário de Sá-Carneiro, um desadaptado em conflito com o mundo, cujos versos são enriquecidos por imagens e expressões novas. Em 1927 é lançada em Coimbra a revista Presença, que pretendia abrir a nossa literatura às correntes estrangeiras, esteticamente mais avançadas. No entanto, os seus poetas mais representativos – José Régio e Miguel Torga – regressaram, de certo modo, às formas tradicionais, de que os seus antecessores, do primeiro modernismo, Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, se tinham afastado.

In: Boletim Informativo - Serviços de Bibliotecas
Fundação Calouste Gulbenkian

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